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AVES DE RAPINA
AVES DE RAPINA
Welington Almeida Pinto
O
Gavião-Mateiro, astuto como nenhum outro, todo dia visitava a Floresta da
Tijuca atrás de uma boa presa. Ardiloso na arte de perseguir e capturar os
pequenos animais, sempre saia vitorioso na sua caça diária.
Para
os bichos miúdos da região, a presença daquela imensa ave era ‘um deus nos
acuda’. Cada um mais assustado do que o outro, escondia-se como podia em
moitinhas de capim, montinhos de pedras, tocos de madeira ou buracos nos
barrancos para se livrar das garras afiadas do predador.
Um
dia, porém, cansado de viver ameaçado, o Caxinguelê resolveu reunir em sua toca
um grupo de animais perseguidos pela ave, pensando encontrar uma maneira de
acabar com a terrível ameaça do astuto Gavião.
Muitos
comparecerem. E o primeiro a falar foi o Caxinguelê. De cima de um banquinho na
sala de sua casa, ele deu seu recado:
-
Companheiros e companheiras, desde que apareceu esse Gavião na região, o
sossego acabou entre os bichos da floresta, não é mesmo?
-
Siiiiimmmm – gritou em coro a bicharada, eufórica.
-
Mais do que nunca – continua o Caxinguelê - precisamos fazer alguma coisa para
espantar esse monstrengo do nosso pedaço. Caso contrário, ele vai acabar com
nossa raça.
-
Siiiiiiiimmmmm!
Em seguida o Preá se manifesta enérgico:
- Isso mesmo, precisamos por fim na festa
desse gaviãzinho metido a besta. Ele é um bicho do
mal.
- É
uma ave perversa como nenhuma outra – afirma o Esquilo, enquanto sacudia a
calda em sinal de apoio.
A
Saracura levanta a crista, meio incrédula:
-
Tenho cá minhas dúvidas se podemos com essa criatura. O bicho é muito forte. E,
por cima, voa.
-
Precisa temer não, comadre, somos ágeis, espertos e inteligentes para vencer
qualquer inimigo. Estamos aqui para formar um batalhão de bichos que vai
encarar o Gavião-Mateiro e acabar com sua valentia. A união faz a força, pode crer - garante o
Caxinguelê.
-
Sei não! – duvida a Coruja empoleirada num cantinho da sala.
Do
outro lado, a cobra ergue a cabeça envenenada:
-
Dou a maior força. Não gosto dessa ave de jeito nenhum.
A
reunião dos bichos atravessou a madrugada. Depois de muita discussão, ficou
decidido que seria construída uma armadilha para laçar o Gavião-Mateiro pelas
pernas e deixá-lo preso até que a maioria dos bichos perseguidos decidisse o
que fazer com o celerado.
O
Esquilo, que observava tudo em silêncio, pergunta meio desconfiado:
-
Armadilha? Tudo bem, mas quem vai ficar de isca para atrair o Gavião?
-
Você mesmo – aponta a Jiboia, rindo.
-
Eu!!!...
O
Caxinguelê, de focinho levantado:
- Amigo,
não se preocupe que eu fico como chamariz.
Todos
aplaudem a coragem do roedor. Então ficou acertado que o Bem-te-vi, que é um
pássaro acostumado a voar nas alturas, logo cedo, assumiria o posto no galho
mais alto da mais alta árvore da floresta para dar o alarme, assim que avistar
o Gavião na área.
Por
outro lado, o João graveto, como é o melhor arquiteto na construção de casa de
pauzinhos, teve como tarefa a construção de uma gaiola bem segura para proteger
o Caxinguelê dentro dela. O Esquilo, acostumado a subir em árvores, ficou com a
missão de encontrar um cipó bem longo para fazer o laço. E o Tatu, que fura o chão com esperteza,
teria que abrir um buraco bem fundo para encravar uma estaca para segurar a
armadilha.
Por
fim, a Jiboia, versada em botes fatais e rasteja como nenhum outro bicho,
ficaria com a tarefa de escolher o local de execução do plano, porque era dela
o trabalho de puxar a ponta do laço. Vaidosa, ela logo concorda:
- Positivo,
meus camaradas.
O
caxinguelê, todo satisfeito:
-
Então, companheiros, está marcada para amanhã a captura do Gavião. Certo?
Todos
concordaram. Mal o dia mal amanheceu, muita coisa já tinha sido feita no local
escolhido para construir a armadilha. E, no meio da manhã, tudo já estava
pronto para capturar a ave de rapina. Alegres e cheios de expectativas, dezenas
de bichos, começaram a procurar um lugar seguro entre a folhagem para se
camuflar e ficar ali torcendo pelo o sucesso da missão.
Pouco antes das duas da tarde, o Gavião-Mateiro apareceu na
Floresta da Tijuca. Atento, o Bem-te-vi soltou os primeiros trinados para
alertar os companheiros. Como o atrevido não desconfiava de nada, todo cheio de
si, ele planava fazendo longos voos rasantes para facilitar à investigação dos
olhos, e marcar no chão a presa mais fácil de apanhar. Em pouco tempo avistou o
Caxinguelê na gaiola. Sem suspeitar de coisa nenhuma, o predador pousou perto
do roedor que fingia estar muito amedrontado. Imediatamente
a ave de rapina começou a bicar nas varetas da gaiola, certa de que seu almoço
estava bem na sua frente.
Não muito
distante dali, dissimulada no meio de folhas secas, a Jiboia, mais prevenida do
que nunca, ao ver que o predador tinha colocado os dois pés no centro do laço,
não teve dúvidas, puxou com toda força a ponta do cipó e prendeu a ave grande
pelas pernas.
Ao se ver
assim amarrado, o Gavião ficou doido de raiva. Num mexe-mexe aflito do corpo, pegou
a bater as asas, desesperadamente, piando na maior altura:
-
Seus malucos! Traiçoeiros!
No
mesmo instante a população de bichos saiu desembestada do mato. Na maior
euforia todos caíram de unhas, dentes e bicos em cima do malfeitor, pelando-o
em pouco tempo.
-
Uh! Lelelerêêê... Morte ao predador! Uh Lelelerêêê, morte ao predador! –
gritavam todos.
O
Caxinguelê saiu da gaiola e parou diante do Gavião, festejando:
- Coisa
boa! Ano após ano nos perseguiu, agora chegou a vez da caça comemorar. É nosso
prisioneiro e todos aqui querem sua morte, viu seu enxerido?
Ao
perceber a situação ruim para seu lado, o Gavião para de rebater e pergunta:
-
O que pretendem fazer comigo?
-
Todos querem vingança. Queremos acabar com seus ataques de maldade na Floresta
da Tijuca.
-
Não. Por favor, não posso morrer – clamava a ave, desesperada.
O
Sapo-Cururu dá um salto para frente, espumando de raiva.
-
Tem que morrer, sim. Aposto que nem sabe a conta de quantos de nós já foram
para o seu papo.
-
Isso mesmo! Não podemos deixar esse bicho escapar com vida – assegura o Papagaio,
furioso.
O
Caxinguelê, depois de pensar um pouco.
-
Companheiros, acalmem-se. Precisamos agir com sabedoria. Matar o Gavião é pagar
um crime com a mesma moeda.
E
voltando-se para o predador:
-
Bem que um traste como você merecia morrer mesmo. Assim vai desaparecer da
nossa vida para sempre.
-
Não. Não façam isso comigo. Prometo sumir da região para nunca mais voltar.
Juro de pés juntos! Pela vida de meus filhos... – assegurava a ave de rapina.
Sem
saber o que fazer o Caxinguelê resolveu consultar a população de bichos ao
redor:
-
Companheiros e Companheiras, podemos confiar nas palavras desse mequetrefe?
Depois
de um momento de silêncio, o Preá deu seu palpite:
-
Como somos da paz, podemos até concordar em soltar essa coisa ruim. Mas só
depois dele penar um bom tempo preso nesse laço para aprender a respeitar a
vida dos outros.
A
Maritaca também palpita:
-
Pensando bem, melhor soltar o infeliz. Do jeito que está, mais parecido com um
frango de açougue, vai alertar seus companheiros a cair fora do nosso
território.
Com o
apoio da grande maioria, o Gavião-Mateiro foi absolvido da pena de morte.
Então, o Caxinguelê dá sinal ao ratinho para roer o cipó que prendia as pernas
do prisioneiro. Solto, o Gavião salta para trás, sacode o restinho de penugem
que sobrou no corpo, gira e, sem olhar para trás, sai correndo mais do que
podia para se esconder no meio do mato.
Os
bichinhos perseguidos, contentes com o final patético do Gavião Mateiro,
comemoravam a certeza de que não seriam mais perturbados por aquela ave do mal.
De cima das árvores, ora se balançando ligeiro em corda de Cipó-Cruz ora
pendurado nos galhos de um pé de Jequitibá, de uma Peroba-Rosa ou de uma
Sucupira, o moleque Mico-Saguim dava pinotes de alegria, festejando a derrota
do Gavião-Mateiro.
Num
outro galho, a Pomba-rola, arrulhava a vitória:
- Fogo
apagou... Fogo apagou...
- Bem-te-vi...
Bem-te-vi... Bem-te-vi... - confirmava o pássaro sentinela final feliz para os
bichos da Mata da Tijuca.
A
Maria-Preta também repicava, pousada no olho do coqueiro:
-
Tiau-chiii... Tiau-chiiiii... Tiau-chiiiiiiiii...
No
céu, imponente e bela, uma velha Gralha atravessava a floresta, grasnando.
FBN© 2008 * O GAVIÃO-MATEIRO E O
CAXINGUELÊ/Categoria: Conto Infantil – Autor: Welington Almeida Pinto. Nova
redação, de acordo com os atuais PCNs, recontextualizando o texto original do
livro publicado com o nome A Águia e o
Coelho, em 1993 - Edições Brasileiras. Ilust.: https://www.youtube.com/watch?v=OWqe4HVcyBI Link: http://outrashistoriasdebichos.blogspot.com.br/2008/08/o-gato-do-mato-e-o-pre.html
Conquistando a Linguagem
Compreensão do texto
Atividades/Resposta em folha anexa:
Atividades: desenhar ou colar gravura dos bichos: Caxinguelê, Jiboia, Gavião, João Graveto e Bem-te-vi.
1) Faltaram outros bichos na galeria de retratos? Quais?
2) Quais outros bichos da fauna nacional você conhece? Cite todos que lembrar.
3 ) O texto diz ... ‘caíram de unhas, dentes e bicos em cima do prisioneiro’. Que bicho atacou de unhas, de bico ou de dentes.
4) Pesquise a origem de cada bicho que aparece na história?
5) Você achou perfeito o plano para aprisionar o inimigo? Bole outro e escreva.
6) A união faz a força. Certo ou errado? O Caxinguelê sozinho daria conta de combater o gavião?
7) Pesquise mais sobre a Floresta Nacional da Tijuca, fundada em 1871, e descubra porque é o nicho florestal urbano mais visitado do país.
Para a Professora
Reflexão: Impossível é expressão inventada pelos fracos - Olavo Bilac
Motivação - leia o verso abaixo para a classe:
Ninguém liberta ninguém/Ninguém se liberta sozinho/ Os homens se libertam em conjunto - Paulo Freire
Reflexão: Impossível é expressão inventada pelos fracos - Olavo Bilac
Motivação - leia o verso abaixo para a classe:
Ninguém liberta ninguém/Ninguém se liberta sozinho/ Os homens se libertam em conjunto - Paulo Freire
Gramática: explicação para aplicar as
palavras: mau e mal.
* CONVERSE com os alunos sobre a união numa comunidade. Fale sobre a antiga Lei de Talião: dente por dente, olho por olho. Leve a classe para visitar a Assembleia Legislativa ou a Câmara dos Vereadores e peça a um parlamentar para falar de Democracia.
Vocabulário: selecione verbetes desconhecidos e oriente a consulta no Dicionário.
Educação ambiental: Fale sobre meio
ambiente, sobre a fauna nacional e defesa do meio ambiente.
** PCNs: história de acordo com os
Parâmetros Curriculares Nacionais do Ministério da Educação, certificada pela
Diretoria de Desenvolvimento da Educação Infantil e Fundamental da Secretaria
de Estado da Educação de Minas Gerais, conforme ofício nº 39/02, de 22 de
janeiro de 2002.
GÊNERO: aventura.
TEMAS TRANSVERSAIS: ética: caça pela
sobrevivência – relacionamento entre animais. * Geografia e Ciências: espécies
animais e vegetais do Brasil. * Português: diversidades das línguas e dos
costumes.
TODOS JUNTOS
Não parece grande coisa /Vamos ver o que é que dá /Esperteza. Paciência. Lealdade /Teimosia/E mais dia menos dia/A lei da selva vai mudar/Todos juntos somos fortes/Somos flecha e somos arcos/Todos nós no mesmo barco/Não há nada a temer/Ao meu lado há um amigo/Que é preciso proteger/Todos juntos somos fortes/Não há nada a temer - Sérgio Bardotti