2008-08-17

O5/V - O GAVIÃO-MATEIRO E O CAXINGUELÊ

*
AVES DE RAPINA
 

           

 
Welington Almeida Pinto
 
O Gavião-Mateiro, astuto como nenhum outro, todo dia visitava a Floresta da Tijuca atrás de uma boa presa. Ardiloso na arte de perseguir e capturar os pequenos animais, sempre saia vitorioso na sua caça diária.
Para os bichos miúdos da região, a presença daquela imensa ave era ‘um deus nos acuda’. Cada um mais assustado do que o outro, escondia-se como podia em moitinhas de capim, montinhos de pedras, tocos de madeira ou buracos nos barrancos para se livrar das garras afiadas do predador.
Um dia, porém, cansado de viver ameaçado, o Caxinguelê resolveu reunir em sua toca um grupo de animais perseguidos pela ave, pensando encontrar uma maneira de acabar com a terrível ameaça do astuto Gavião.
Muitos comparecerem. E o primeiro a falar foi o Caxinguelê. De cima de um banquinho na sala de sua casa, ele deu seu recado:
- Companheiros e companheiras, desde que apareceu esse Gavião na região, o sossego acabou entre os bichos da floresta, não é mesmo?
- Siiiiimmmm – gritou em coro a bicharada, eufórica.
- Mais do que nunca – continua o Caxinguelê - precisamos fazer alguma coisa para espantar esse monstrengo do nosso pedaço. Caso contrário, ele vai acabar com nossa raça.
- Siiiiiiiimmmmm!
 Em seguida o Preá se manifesta enérgico:
- Isso mesmo, precisamos por fim na festa desse gaviãzinho metido a besta. Ele é um bicho do mal.
- É uma ave perversa como nenhuma outra – afirma o Esquilo, enquanto sacudia a calda em sinal de apoio.
A Saracura levanta a crista, meio incrédula:
- Tenho cá minhas dúvidas se podemos com essa criatura. O bicho é muito forte. E, por cima, voa.
- Precisa temer não, comadre, somos ágeis, espertos e inteligentes para vencer qualquer inimigo. Estamos aqui para formar um batalhão de bichos que vai encarar o Gavião-Mateiro e acabar com sua valentia.  A união faz a força, pode crer - garante o Caxinguelê.
- Sei não! – duvida a Coruja empoleirada num cantinho da sala.
Do outro lado, a cobra ergue a cabeça envenenada:
- Dou a maior força. Não gosto dessa ave de jeito nenhum.
A reunião dos bichos atravessou a madrugada. Depois de muita discussão, ficou decidido que seria construída uma armadilha para laçar o Gavião-Mateiro pelas pernas e deixá-lo preso até que a maioria dos bichos perseguidos decidisse o que fazer com o celerado.
O Esquilo, que observava tudo em silêncio, pergunta meio desconfiado:
- Armadilha? Tudo bem, mas quem vai ficar de isca para atrair o Gavião?
- Você mesmo – aponta a Jiboia, rindo.
- Eu!!!...
O Caxinguelê, de focinho levantado:
- Amigo, não se preocupe que eu fico como chamariz.
Todos aplaudem a coragem do roedor. Então ficou acertado que o Bem-te-vi, que é um pássaro acostumado a voar nas alturas, logo cedo, assumiria o posto no galho mais alto da mais alta árvore da floresta para dar o alarme, assim que avistar o Gavião na área.
Por outro lado, o João graveto, como é o melhor arquiteto na construção de casa de pauzinhos, teve como tarefa a construção de uma gaiola bem segura para proteger o Caxinguelê dentro dela. O Esquilo, acostumado a subir em árvores, ficou com a missão de encontrar um cipó bem longo para fazer o laço.  E o Tatu, que fura o chão com esperteza, teria que abrir um buraco bem fundo para encravar uma estaca para segurar a armadilha.
Por fim, a Jiboia, versada em botes fatais e rasteja como nenhum outro bicho, ficaria com a tarefa de escolher o local de execução do plano, porque era dela o trabalho de puxar a ponta do laço. Vaidosa, ela logo concorda:
- Positivo, meus camaradas.
O caxinguelê, todo satisfeito:
- Então, companheiros, está marcada para amanhã a captura do Gavião. Certo?
Todos concordaram. Mal o dia mal amanheceu, muita coisa já tinha sido feita no local escolhido para construir a armadilha. E, no meio da manhã, tudo já estava pronto para capturar a ave de rapina. Alegres e cheios de expectativas, dezenas de bichos, começaram a procurar um lugar seguro entre a folhagem para se camuflar e ficar ali torcendo pelo o sucesso da missão.
Pouco antes das duas da tarde, o Gavião-Mateiro apareceu na Floresta da Tijuca. Atento, o Bem-te-vi soltou os primeiros trinados para alertar os companheiros. Como o atrevido não desconfiava de nada, todo cheio de si, ele planava fazendo longos voos rasantes para facilitar à investigação dos olhos, e marcar no chão a presa mais fácil de apanhar. Em pouco tempo avistou o Caxinguelê na gaiola. Sem suspeitar de coisa nenhuma, o predador pousou perto do roedor que fingia estar muito amedrontado. Imediatamente a ave de rapina começou a bicar nas varetas da gaiola, certa de que seu almoço estava bem na sua frente.
Não muito distante dali, dissimulada no meio de folhas secas, a Jiboia, mais prevenida do que nunca, ao ver que o predador tinha colocado os dois pés no centro do laço, não teve dúvidas, puxou com toda força a ponta do cipó e prendeu a ave grande pelas pernas.
Ao se ver assim amarrado, o Gavião ficou doido de raiva. Num mexe-mexe aflito do corpo, pegou a bater as asas, desesperadamente, piando na maior altura:
- Seus malucos! Traiçoeiros!
No mesmo instante a população de bichos saiu desembestada do mato. Na maior euforia todos caíram de unhas, dentes e bicos em cima do malfeitor, pelando-o em pouco tempo.
- Uh! Lelelerêêê... Morte ao predador! Uh Lelelerêêê, morte ao predador! – gritavam todos.
O Caxinguelê saiu da gaiola e parou diante do Gavião, festejando:
- Coisa boa! Ano após ano nos perseguiu, agora chegou a vez da caça comemorar. É nosso prisioneiro e todos aqui querem sua morte, viu seu enxerido?
Ao perceber a situação ruim para seu lado, o Gavião para de rebater e pergunta:
- O que pretendem fazer comigo?
- Todos querem vingança. Queremos acabar com seus ataques de maldade na Floresta da Tijuca.
- Não. Por favor, não posso morrer – clamava a ave, desesperada.
O Sapo-Cururu dá um salto para frente, espumando de raiva.
- Tem que morrer, sim. Aposto que nem sabe a conta de quantos de nós já foram para o seu papo.
- Isso mesmo! Não podemos deixar esse bicho escapar com vida – assegura o Papagaio, furioso.
O Caxinguelê, depois de pensar um pouco.
- Companheiros, acalmem-se. Precisamos agir com sabedoria. Matar o Gavião é pagar um crime com a mesma moeda.
E voltando-se para o predador:
- Bem que um traste como você merecia morrer mesmo. Assim vai desaparecer da nossa vida para sempre.
- Não. Não façam isso comigo. Prometo sumir da região para nunca mais voltar. Juro de pés juntos! Pela vida de meus filhos... – assegurava a ave de rapina.
Sem saber o que fazer o Caxinguelê resolveu consultar a população de bichos ao redor:
- Companheiros e Companheiras, podemos confiar nas palavras desse mequetrefe?
Depois de um momento de silêncio, o Preá deu seu palpite:
- Como somos da paz, podemos até concordar em soltar essa coisa ruim. Mas só depois dele penar um bom tempo preso nesse laço para aprender a respeitar a vida dos outros.
A Maritaca também palpita:
- Pensando bem, melhor soltar o infeliz. Do jeito que está, mais parecido com um frango de açougue, vai alertar seus companheiros a cair fora do nosso território.
Com o apoio da grande maioria, o Gavião-Mateiro foi absolvido da pena de morte. Então, o Caxinguelê dá sinal ao ratinho para roer o cipó que prendia as pernas do prisioneiro. Solto, o Gavião salta para trás, sacode o restinho de penugem que sobrou no corpo, gira e, sem olhar para trás, sai correndo mais do que podia para se esconder no meio do mato.
Os bichinhos perseguidos, contentes com o final patético do Gavião Mateiro, comemoravam a certeza de que não seriam mais perturbados por aquela ave do mal. De cima das árvores, ora se balançando ligeiro em corda de Cipó-Cruz ora pendurado nos galhos de um pé de Jequitibá, de uma Peroba-Rosa ou de uma Sucupira, o moleque Mico-Saguim dava pinotes de alegria, festejando a derrota do Gavião-Mateiro.
Num outro galho, a Pomba-rola, arrulhava a vitória:
- Fogo apagou... Fogo apagou...
- Bem-te-vi... Bem-te-vi... Bem-te-vi... - confirmava o pássaro sentinela final feliz para os bichos da Mata da Tijuca.
A Maria-Preta também repicava, pousada no olho do coqueiro:
- Tiau-chiii... Tiau-chiiiii... Tiau-chiiiiiiiii...
No céu, imponente e bela, uma velha Gralha atravessava a floresta, grasnando.




FBN© 2008 * O GAVIÃO-MATEIRO E O CAXINGUELÊ/Categoria: Conto Infantil – Autor: Welington Almeida Pinto. Nova redação, de acordo com os atuais PCNs, recontextualizando o texto original do livro publicado com o nome A Águia e o Coelho, em 1993 - Edições Brasileiras. Ilust.:  https://www.youtube.com/watch?v=OWqe4HVcyBI   Link: http://outrashistoriasdebichos.blogspot.com.br/2008/08/o-gato-do-mato-e-o-pre.html


 

Conquistando a Linguagem

Compreensão do texto

 

 

Atividades/Resposta em folha anexa:


Atividades: desenhar ou colar gravura dos bichos: Caxinguelê, Jiboia, Gavião, João Graveto e Bem-te-vi.
1) Faltaram outros bichos na galeria de retratos? Quais?
2) Quais outros bichos da fauna nacional você conhece? Cite todos que lembrar.
3 ) O texto diz ... ‘caíram de unhas, dentes e bicos em cima do prisioneiro’. Que bicho atacou de unhas, de bico ou de dentes.
4) Pesquise a origem de cada bicho que aparece na história?
5) Você achou perfeito o plano para aprisionar o inimigo? Bole outro e escreva.
6) A união faz a força. Certo ou errado? O Caxinguelê sozinho daria conta de combater o gavião?
7) Pesquise mais sobre a Floresta Nacional da Tijuca, fundada em 1871, e descubra porque é o nicho florestal urbano mais visitado do país.

Para a Professora
Reflexão: Impossível é expressão inventada pelos fracos - Olavo Bilac
Motivação - leia o verso abaixo para a classe:
Ninguém liberta ninguém/Ninguém se liberta sozinho/ Os homens se libertam em conjunto - Paulo Freire

Gramática: explicação para aplicar as palavras: mau e mal.


* CONVERSE com os alunos sobre a união numa comunidade. Fale sobre a antiga Lei de Talião: dente por dente, olho por olho. Leve a classe para visitar a Assembleia Legislativa ou a Câmara dos Vereadores e peça a um parlamentar para falar de Democracia.


Vocabulário: selecione verbetes desconhecidos e oriente a consulta no Dicionário.


Educação ambiental: Fale sobre meio ambiente, sobre a fauna nacional e defesa do meio ambiente.


** PCNs: história de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ministério da Educação, certificada pela Diretoria de Desenvolvimento da Educação Infantil e Fundamental da Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais, conforme ofício nº 39/02, de 22 de janeiro de 2002.


GÊNERO: aventura.


TEMAS TRANSVERSAIS: ética: caça pela sobrevivência – relacionamento entre animais. * Geografia e Ciências: espécies animais e vegetais do Brasil. * Português: diversidades das línguas e dos costumes.


TODOS JUNTOS


Não parece grande coisa /Vamos ver o que é que dá /Esperteza. Paciência. Lealdade /Teimosia/E mais dia menos dia/A lei da selva vai mudar/Todos juntos somos fortes/Somos flecha e somos arcos/Todos nós no mesmo barco/Não há nada a temer/Ao meu lado há um amigo/Que é preciso proteger/Todos juntos somos fortes/Não há nada a temer
- Sérgio Bardotti