2008-08-17

* A FESTA NO CÉU


 
 
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Welington Almeida Pinto

 

CERTO DIA, a Mata da Tijuca amanheceu repleta de cartazes anunciando para Sábado da Aleluia uma grande festa no céu. As aves da redondeza ficaram tão empolgadas com a notícia que, na véspera do baile, a Lagoa dos Bichos já não tinha mais lugar a tanta ave para tomar banho e ordenar a plumagem.

Perto dali, acocorado numa pedra à beira do lago, o Sapo-Cururu assistia o assanhamento das aves, remoendo-se de curiosidades. Então, pergunta a uma Garça ao seu lado:

- Dona Garça, por que a passarada anda tão animada?

A ave branca, do alto de suas pernas, reclina a cabeça e responde:

- Você não leu os cartazes? Vamos para a uma festança no céu.

O Sapo incha o papo:

- Ah, então é isso!

- Vale o sacrifício, não vale?

- Sim, claro – engole espuma o anfíbio, enciumado.

Antes de alçar voo, a Garça ainda gazea:

- Engraçadinho, se outro tipo de bicho pudesse ir, levaria você a tiracolo.

– Então me diga: como é lá no céu?

- Difícil explicar, mas é tudo muito bonito.

O sapo revira os olhos, arrematando:

- Não se acanhe, dona Garça, caso tenha vontade de ir, darei meu jeito. Quem tem padrinho não morre pagão, não é mesmo?

A ave nem responde e, logo bate suas asas e parte. Meio desapontado, o Sapo fica ali um longo tempo cogitando melhor maneira de ir à grande festa. Por fim, imagina que o Urubu seria a melhor condução.

- Coac! Coac! Breq-qué-queeep... O bicho voa alto, é forte e não engole sapo. Pelo menos vivo, imagino.

Entusiasmado com a ideia, o Sapo-Cururu sai pela floresta à procura do Urubu. Depois de saltitar muito pela região encontra a ave empoleirada num tronco seco de Angico aquecendo-se ao sol da manhã, farfalhando sua capa brilhante.

- Bom dia, amigo Urubu - cumprimenta o Sapo.

O Urubu, com cara de papa-defuntos e pouca conversa, levanta as pálpebras, mede o sapo de cima a baixo, e rezinga:

- Huuuummmm!

- Olá amigo, vai à festa no céu?

- Vou.

- Já imaginava. Tão elegante assim, vestido nessa bem engomada casaca negra, deve ser o artista que vai animar com sua viola a festança, certo?

- Certo, anfíbio. Mas, não espere convite para coaxar numa folia de aves, viu? Não quero você lá nem para fazer segunda voz.

O Sapo, pela arrogância do Urubu, prefere nem tocar no assunto da carona. E conclui:

- Pois bem, leve minhas lembranças aos nobres convidados.

O Urubu, depois de uma boa risada:

- Caso pudesse voar, até que seria uma boa oportunidade para me ver tocar de graça, não é mesmo?

- Trem bom assim a gente não deve perder. Numa outra oportunidade, quem sabe eu vou – finge lamentar o Sapo.

O Urubu abre o bico num bocejo de pouco caso.

- Na volta, me procure que eu conto tudo a você, está bem? Agora, me dê licença que eu preciso voar um pouco para exercitar os músculos do corpo.

- Claro. Claro - concorda o Sapo já imaginando como pegar uma boa carona até o céu.

Assim falando, o Urubu levanta voo. Em pouco tempo rodava lá nas alturas, quase encostado nas nuvens. O Sapo, mais do que depressa, corre para dentro da casa do violeiro e salta para dentro da sua viola, encostada na parede do quarto. E ali, astuto como todo anfíbio, fica quietinho, esperando o momento da partida para a festa.

No dia seguinte, mal o sol anunciava a manhã, o Urubu acorda cheio de ânimo. Espreguiça para acabar com o restinho de sono e sai meio desengonçado para cozinha em busca de um pedaço de carne velha, guardado na geladeira sem motor. Em seguida, agarra a viola e parte para o grande baile, levando o Sapo de borla. Sem saber, é claro.

Depois de longas horas de voo, já no lusco-fusco do dia, o Urubu chega ao salão de festas do céu, onde foi recebido com alegria pelos companheiros.

- Fez boa viagem, mestre Urubu? - pergunta o Papagaio de Papo Amarelo.

- Ótima – responde o músico enquanto deixava o instrumento sobre um montinho de nuvens.

O Sapo, ao ver o músico entretido com outros pássaros, deixa a viola e esconde-se atrás de outra nuvenzinha à espera do início do baile. O que não demorou muito.

E, quando a música começou a tocar, o entusiasmo toma conta da passarada que, num instante, lota a pista de dança.  Bom para o Sapo, que também muito empolgado, deixa o esconderijo para se misturar aos alados.

No primeiro momento, ave nenhuma desconfia de nada, achando ser um pássaro fantasiado de sapo. Mas, a certa altura do baile, a Seriema, naquele fogo todo, tromba com o anfíbio e percebe que era um sapo de verdade. Pobre Sapo! Escandalosa, como toda ave da família cariama cristata, ela pipita em alto e bom som:

-Tem sapo infestando nosso baile.

Na mesma hora um rebuliço frenético rompe na pista. As aves param de dançar. Formam um grande círculo em volta do Sapo, cada uma olhando para a outra e para o intruso ao mesmo tempo, como quem não sabe se está acordada, dormindo ou sonhando.

A Perdiz, indignada, pia:

- Oh! Oh! Cara de pau!

A Gaivota, inquieta, pipila:

- Não acredito no que estou vendo!

A Cegonha, cheia de não-me-toques, glotera:

- Tem cabimento, bicho gosmento desse jeito no meio de glamourosas aves!

O Urubu, ao perceber a agitação no salão deixa de tocar e crocita enfurecido:

- Que isso? Que isso? Sapo dançando com as aves?

E com a barbela mais vermelha ainda de raiva:

- Quieta aí, bicho dos infernos!

O anfíbio, ao sentir a braveza da grande ave parada na sua frente, cobre a cabeça com as patinhas e começa a tremer de medo. Mas o Urubu não quis nem saber e foi logo perguntando:

- Com que passaporte e com visto de quem o senhor entrou nessa festa?

Como o Sapo não tinha palavras para responder, o Gavião aproveitou o momento e deu seu palpite:

- Que tal destrinchar esse pançudinho, jogar pimenta em cima e degustá-lo agora mesmo? 

Ao ouvir a sugestão do falconídeo, vários pássaros bateram asas aplaudindo a ideia de fazer daquele sapo um apetitoso tira-gosto. Mas, a Saracura, ao perceber que o clima esquentava entre os alados, procurou acalmar o ânimo dos mais exaltados.

- Tudo bem, companheiros, o fato dele estar aqui são favas contadas. Portanto, não é melhor deixar de lado esse trololó e dar continuidade ao nosso bailado, porque estamos no céu é para divertir. Não que eu defenda esse mequetrefe aqui, mas já que ele veio, sabemos lá como, que fique e se divirta também.

E, virando-se para o músico:

- Compadre Urubu, considere meu pedido. Continue a música para a felicidade geral da nação alada.

Depois de um rápido bate-bico entre a passarada, a maioria decidiu que o baile deveria continuar, mesmo com a presença de um estranho na pista. O Urubu voltou a tocar viola, enchendo o salão com o som das paradas. O Sapo, revigorado do susto, também cai na farra de novo e dança o resto da noite no meio das aves. No final da festa, o Urubu anuncia uma grande surpresa:

- Aves de meu reino, para fechar com chave de ouro nossa festa uma bateria de fogos de artifício vai pipocar no céu. Admirem!

Logo em seguida, estoura no infinito uma roda de fogos que espalha centelhas de luzes coloridas para todos os lados, tão incandescentes que quase transformam a madrugada em dia. O Sapo, em vez de curtir o espetáculo de fogos, aproveita a distração dos pássaros para garantir sua carona de volta. Sai de fininho e, outra vez, se arrancha no bojo da viola, que descansava em um canto do palco.

Ao cessar o foguetório, o Urubu despede-se das aves, atrela a viola nos dedos dos pés e, mesmo cansado, se precipita céu abaixo. Tudo ia bem quando, lá para muito mais da metade do caminho, já meio lerdo de tanto sono, quase tromba num avião teco-teco.

- Urubu azarento, sai do meu caminho – berra o aviador, assustado com imprudência do pássaro.

Roxo de vergonha, o Urubu pede desculpas ao piloto e desvia o quanto pode da aeronave. Para o Sapo a coisa ficou preta, o clima fechou de vez. Com o incidente, ele rebateu tanto dentro da viola que o abutre descobriu tudo.

- Com mil diabos, sapo passeando às minhas custas! Pois fique sabendo, seu espertinho, que minha viola não é condução nem sou motorista de enxerido nenhum!

- Por favor, eu explico – suplica o anfíbio de dentro da viola.

- Quero lá explicação alguma, ‘seo’ folgado?

- Desculpe-me. Eu não queria perder essa dança de jeito nenhum.

- Eu já imaginava.

- O que vai fazer comigo, Mestre Urubu?

- Nada demais! Vou apenas soltá-lo no ar para aprender voar. Desse modo, quando tiver outra festa no céu não vai mais precisar de minha corona. 

E assim dizendo, sem piedade e com toda a sua força, o Urubu emborca a viola, gritando:

- Ahhhhh! Guarde as explicações para São Pedro, seu xereta. Ele pode até engolir sapo, eu não. E fique sabendo: quem planta vento colhe tempestade.

Em queda livre, ao ver tanta pedra lá embaixo, o Sapo ainda arrisca um pedido de socorro ao seu anjo da guarda:


Anjinho do meu coração,
Arreda as pedrinhas lá no chão que preciso cair no fofo.
Vivo se continuar a Deus peço perdão
E só na lagoa farei alvoroço.

 

Mal acaba de declamar o versinho se esborracha no chão. Não morre, mas fica com o corpo mais achatado e a pele mais verrugosa do que antes.

Ao se mirar na água da lagoa leva o maior susto com o novo uniforme.

- Coaaaaaaac! Coac! Breeeeeeq-qué-quep! Que figura, meu Deus! Mas, agora só vou mesmo a uma festa se convidado. Xeretagem, nunca mais.

O Sapo salta alegre para a lagoa cheia de gretas luminosas, coaxando:

- Coac! Coac! Breq-qué-quep!... Bléu... Bléu... Bléu... Cada sapo no seu brejo, lembrando sempre que ao mar Deus deu perigo e abrigo, mas nele é que espelhou o céu.

 
 




FBN© 2008 * A FESTA NO CÉU/Categoria: Conto Infantil/Reconto – Autor: Welington Almeida Pinto. Nova redação recontextualizando a história original do folclore brasileiro de acordo com os atuais PCNs – Ilustr.: https://www.youtube.com/watch?v=GLA7TD8pRYM – Link: http://outrashistoriasdebichos.blogspot.com.br/2008/08/clin-clin-o-beija-flor-encantado.html

 

 

CONQUISTANDO A LINGUAGEM
Compreensão do texto

 

Atividades/Respostas em folha anexa:


A) – Você conhece outra versão da história Festa no Céu?
C) - Compare as duas. E anote o que observou de diferente.
D) - Divida o texto em quatro trechos em que o autor narra situações distintas. Escolha um deles e reescreva, acrescentando mais nomes de aves da fauna alada brasileira, participando dos diálogos.
E) - O autor insere no texto vários adágios populares. Explique, em outras palavras, o que significa cada um dentro do contexto.
F) - Assinale as palavras desconhecidas.

G) - Termos científicos que aparecem no contexto. Pesquise mais

sobre o significado de cada um.


PARA O PROFESSOR

Reflexão:

 

 Quem o pão da mentira saboreia depois a boca amarga em fel - rei Salomão


Motivação:

* Converse com os alunos sobre como recontextualizar uma história - o processo tem como objetivo atualizar a linguagem, explorando de maneira positiva, novos termos e situações relacionadas com a realidade do aluno.

* Cite algumas frases ou palavras extraídas da linguagem coloquial e científica, mostrando a diferença, principalmente as que definem as vozes das aves.
* Mostre a importância e a dinâmica de um ecossistema, onde diversos tipos de vida dividem a mesma área.
* Leia o conto em voz alta, representando dramaticamente diversas situações descritas. Mude o tom da voz e a postura do corpo para representar a fala de cada personagem. Depois, peça às crianças para ler em silêncio para depois contar, com suas palavras, o trecho mais engraçado.


* Vocabulário: selecione os verbetes desconhecidos e oriente consulta no Dicionário
* Organize jogral em classe (ver o texto adaptado para teatro:
http://teatronaeducaoescolar.blogspot.com.br/2011/09/festa-no-ceu.html ). Se preferir, acrescente outros personagens, principalmente aves da fauna nacional.

** PCNs – PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS

* História de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ministério da Educação, certificada pela Diretoria de Desenvolvimento da Educação Infantil e Fundamental da Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais, conforme ofício nº 39/02, de 22 de janeiro de 2002.
 
TEMAS TRANSVERSAIS:

*Ética: sonhos, desejos e fantasias, realidade numa sociedade fechada – relacionamento de animais de outra espécie.

* Gênero: aventura.

*Geografia e Ciências: espécies animais e vegetais do Brasil. Português: diversidades das línguas e dos costumes.